segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

“O Pianista”



Todas as noites
Vens-me fraco
Fugido a açoites
Talhando o naco
Desse ocaso
Que te subtrai
-
Sempre me passeias
As tuas mãos languidas
Em cansaço deixas
Passar-me pesadas
Fedendo a álcool
O que te atrai
-
Dedilha-me rasgando
Cada nota torta
Da solidão traçando
Até a morte, a porta
-
Depois com o fígado
Corroído
Faz-me chorar, imputado
Nosso canto desafinado
Em tua missa.

.

André Ulle

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

"Bem me Quer"

Hoje eu queria te ver, a situação é difícil, a gente se esconde e se importa com os problemas, criamos alguns, mas o pior é que eu te vejo como um, apesar de ser o contrário, o problema sou eu, às vezes eu confundo, sei lá, eu não quero conquistar tanto espaço aí dentro, eu não quero chegar a um ponto que você não conseguirá alcançar e me arrancar daí de dentro sem deixar aquela cicatriz feia. Eu queria continuar caminhando sobre a sua água sempre nessa parte mais rasa. Eu não quero que guarde em mim parte desses sonhos que circulam acastanhando sua pupila, que eu posso levá-los um dia comigo talvez numa distração acabar os deixando aos pedaços esquecidos em algum lugar por onde você sempre passa, lhe fazendo remoer minhas marcas. Não tenho pra onde fugir mais. Eu corro em direção contrária, eu zelo por cuidar de você, eu zelo por não querer lhe machucar, mas eu percebo que piso cada vez mais forte. Que eu criei essa defesa pessoal de apreciar todas as coisas, mesmo que de modo superficial, enquanto eu sei que eu só quero lhe percorrer. E você é tão frágil e tão confusa quanto essa última pétala que cá deixo continuar a ser.



André Ulle




segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

"Um quase conto natalino"

De frente a joalheria.

Chupou a bala numa velocidade incrível. Deixou aberta a boca, enquanto sentiu-a envolvendo sua saliva, criança gulosa. Sentiu o sabor de a bala evolver em suas glândulas, e atravessar explodindo sua pele.

Antes disso, num pequeno flash, sorriu e olhou-o nos olhos pra caminhar ao seu destino.


Intrigados, os peritos tinham quase certeza de que a criança ouviu os disparos mesmo antes de tentar se aproximar.

As roupas de Papai Noel largadas dobrando a esquina despistavam o meliante.

Das mãos do pequenino uma carta quase ilegível mergulhada na baba de sangue que cingia agora seu corpo baleado.


“- Mas eu ainda acredito, sei que o senhor pode devolver o emprego do papai, a visão do vovô. E sabe, dessa vez é mais sério, não estou pedindo brinquedos, vou pessoalmente lhe entregar, não confio muito nos carteiros. E eles já têm muitas coisas pra você. Não conta que te contei, mas já trouxeram correspondência errada aqui em casa, umas duas vezes –“



André Ulle




"Não existe o Natal ideal, só o Natal que você decida criar como reflexo de seus valores, desejos, queridos e tradições. "

Bill McKibben

sábado, 20 de dezembro de 2008

“Quebra cabeças”

Americana, 20 de dezembro de 2008




Isso aqui é muito sério. Hoje eu tive a certeza que em uma classificação de “gente estabanada” eu devo ser um dos Estabanados - Premium.


Hoje no meu primeiro dia de férias marquei ensaio sem compromisso com um pessoal que tocava um tempo atrás comigo, marcamos pras nove da manhã e pra começar eu me esqueci de colocar o relógio pra despertar, acordei com o celular tocando e gritei: - Puta merda! - Enfim já eram 09h10min perdemos 10 minutos do estúdio. Aprontei-me numa velocidade incrível, dessa vez sem colocar duas cuecas (outra história de estabanação) montei no carro, e vi que a luz que avisa que o combustível está na reserva estava acesa, mas não tinha tempo de passar no posto, então me sujeitei a ir assim mesmo.


Como previsto (e lá no fundo eu sabia que isso ia acontecer mesmo) acabou o combustível em uma Avenida movimentada, e pra ajudar eu estava parado na faixa da esquerda. Olhei pro carro, pro movimento e vi que estava fudido. Ouvi um cara dizendo: - Amigo monta no carro - Acreditem nem olhei pra trás segui a recomendação da voz e deixei o carro ser empurrado até o canto onde estacionei, desci do carro, o cara com toda a gentileza do mundo e me perguntou se eu sabia o que havia com o carro, juro que na hora fiquei com vergonha de admitir, então disse que as velas de ignição pareciam entupidas e simulei uma tentativa de limpar os bicos de injeção. Agradeci muito a ele, porque foi horrível a cara de cu com a qual me olhavam enquanto estava lá parado no meio da pista, um bando de gente carrancuda, ninguém pra pelo menos parar uns dois minutos até eu conseguir levar o carro pro canto.


Depois do cara se despedir, respirei aliviado: “- Pronto agora posso ir buscar a gasosa”- Cacei uma garrafa pet pelo carro e nada, nem uma garrafinha de água, nada! Isso porque meu carro é enfornado de tudo quanto é tranqueira, cadernos, banners de propaganda que dão no sinal e eu não jogo na rua, mas também me esqueço de jogar em casa, capinha de cd sem cd, entre outras acumulações. Enfim, a bendita garrafa pet não fazia parte desse meio.


Fui a um posto próximo dali, e perguntei se tinha uma garrafa pra me emprestar, e não tinha. Só um desses saquinhos de emergência que parecem aqueles saquinhos que dão quando você compra um peixe no pet shop, uma vez peguei um desses e derramei mais da metade da gasolina pra fora do tanque (sim, em outra situação que deixei o combustível acabar). Como sou um gênio do improviso, fui até a lojinha de conveniência e comprei uma garrafa de refrigerante, se a moça do caixa não tivesse olhos azuis nem ia comentar, mas contei pra ela que estava comprando pra jogar fora, então a convidei pra um refri comigo, sacomé. Ela muito discreta, pegou uma jarra e falou: - Joga aqui moço - Enfim esvaziada a garrafa fui ao carro, nisso meu amigo já estava comigo, pois ligou no meu celular devido à demora e foi ao meu encontro.


Chegamos ao meu carro, coloquei a carteira sobre o teto, girei a chave na tampa de combustível, coloquei-a com desvelo no chão e “consertei” o carro. Montei de novo, desesperado com o horário e corri pra outro posto, cheguei lá, cadê a carteira? Naquele momento queria arrebentar minha cabeça no volante. Burro, burro, burro! Deixei-a em cima do teto solta, devia ter caído pela avenida, merda, merda, merda!


Enfim, montei no carro do meu amigo, e fomos refazer o caminho. Voltamos desde onde meu carro estava parado, mas foi em vão. Nem vestígio da fulana, pensei uma série de coisas, tipo: - To fudido, to fudido e to fudido! Voltamos ao outro posto onde deixei meu carro, peguei uns nove reais emprestados e coloquei de álcool. De repente, enquanto estava me despedindo do meu amigo e ia tentar retomar o caminho a pé. Eis que o ouço ao telefone: - Sim o Willian sou eu, sim o André está comigo. Pensei, não é possível! Mas era.


Por sorte na noite passada, tinha marcado o telefone do Willian em um lembrete e colado dentro da carteira, porque tinha esquecido o celular em casa e teria de anotar na agenda depois. Ele passou meu número pra pessoa e a pessoa me retornou. Era uma voz de senhora:

- Olha moço, achei seus documentos.

Documentos?! Mas e toda a grana que estava dentro, e a carteira? Ferrou minhas férias, fiquei duro, sabe-se lá o que pode ter acontecido talvez alguém antes dela deva ter achado e jogado os documentos, sei lá. Sabia que minhas férias seriam bem diferentes do que havia pensado.
Mas já era melhor que nada, pelo menos os documentos a salvo. Pelo menos minha habilitação que não pode ser renovada por causa do numero grande de pontos, enfim. Pelo menos alguma coisa.

Cheguei ao endereço que ela me passou, e ela estava no portão com o marido, me viu descendo do carro afobado e perguntou toda calma:
- André?
- Sim, sim.
- Olha seus documentos.


Ela levantou a mão, e lá estava minha carteira, não só com os documentos, como ela disse, mas com tudo. Meu cartão, minha grana das férias, tudinho!


Ela ainda preocupada dizendo que não havia pegado nada, até um pouco constrangida em ter mexido na carteira. Disse-me que o dinheiro tinha voado pela avenida que ela saiu catando. Eu estava abestalhado com a disposição dela em ajudar, agindo como se fosse obrigação dela, entendem?

Queria cair de joelhos na frente dela, não me cabiam as palavras.


Não só por ter encontrado minha carteira, não só por me ligar. Mas ela era mais humana do que eu sou acostumado a ver por aí, depois de encarar todas as caras de cu na avenida eu estava diante de um ser grandioso, que além de simplicidade tinha um semblante leve. Morrendo de vergonha devolvi cinqüenta reais pra ela, no qual tive de insistir muito pra que aceitasse, e aceitou só depois que eu pedi pra que ela me deixasse sentir pelo menos um pouco agradecido. Comecei a entender a coisa do “documento” acho que foi o que ela encarou com mais importância ali dentro, os meus documentos e a necessidade que eu tinha deles.


Não conseguia ir embora dali, agradeci a eles de todas as formas verbalmente possíveis, passei o telefone da loja, pedi pra que me ligassem quando precisassem, sei lá, qualquer coisa. Depois quando entrei no carro, fui deliciosamente ligando os fatos. O cara que empurrou o carro na avenida, o lembrete com o telefone do Willian, o fato de eu perder hora, de eu ser um estabanado, essa senhora que passava justamente nesse momento naquela avenida cheia de carrancas, o GPS que me levou até a casa dela, eu sair correndo pela avenida com a carteira solta no teto do carro, os problemas do meu carro, minha cabeça voada, estar próximo do natal, esse mundo de correria, meus amigos, minha família, o fora implícito da atendente da lojinha do posto, meus neurônios tontos.


E todos os traços que me tem feito cruzar com uma quantidade grande e rara de anjos.


Espero ansioso pelo dia no qual entenderei verdadeiramente porque eles têm sido trazidos pra perto de mim.
.
.
André Ulle

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

“Fagulha”


São só frestas de luz
Destacando poucas coisas
Num pedaço de chão.
Essas minhas palavras.


E eu estou estancado
Deitado entre o chão e a luz
Implexo com minha poesia
A minha
Primitiva descoberta.

A ti eu aconselho,
Olhar de longe
Não insistas em me tocar

Que assim vais
Distraidamente
Assentando teu dedo em minha boca
E dando força a minha mandíbula.



André Ulle

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

"A doença!"



Eu conheci um cara, esse cara tinha uma doença. A coisa parecia grave, e era visível, mas eu ainda tímido com os primeiros encontros preferi não comentar, deixei passar calado, mesmo que sempre que olhava aquilo meu coração se contorcia dentro do peito.

E fui aos poucos aceitando mais a proximidade, me sentindo até quase à vontade com toda aquela coisa. O incrível é que todos, todos por onde ele passava não se continham, olhavam pra ele e não se agüentavam os comentários, e mesmo assim eu ainda permanecia calado, caminhando ao lado dele. Minha timidez começava a me sufocar naqueles corredores do hospital onde com maior freqüência tinha que me deparar com ele e sua doença. E era tão forte que quem olhava pra ela e a notava se compadecia em um choro explosivo, ele carregava esse peso sobre os ombros, o peso dessa doença que a todos comovia.

Fui notando em mim alguns traços diferentes surgindo, no começo assustei, de verdade quando vi as primeiras mudanças em mim. A doença era contagiosa! Notei meu nariz engordando e manchado, cercado de manchas que surgiam pelo resto do rosto, me invadia pelos olhos uma sensação estranha, um mover ao meu corpo, certa fraqueza que imputava os pulsos do meu coração. Eu fui contaminado!

Era contagiosa e me invadia, principalmente pelos olhos, e se alojava em meu peito. Quando dei de cara com o espelho estava com uma cara parecida com a dele, não consegui mais me conter. Vazou-me as lágrimas escorrendo e tornando coloridas com as manchas do rosto, caindo pingos de tinta que contornava essa doença, um escorrimento de aquarela que passava pelo nariz gordo e pingava. Eu com minhas mãos tentávamos enfiar cada lágrima de volta ao olho, queria perpetuar em mim essas cores vivas que agora me vazavam.

Fugiu do meu controle! Eu tinha sido contaminado de uma forma irreversível. E as pessoas começaram a notar e comentar, eu sentia em cada comentário a força dessa doença me cravando o peito. Não teve jeito eu precisava falar de certa forma a culpa era principalmente dele, que em cada abraço me deixava com mais vestígios desse contágio que me atingia por completo.
As manchas se alastraram pelo resto do corpo e me invadiram por dentro.


Lembro de um tal José, companheiro do hospital também, ele e sua família, me lembro de um tal Ademir, uma tal Josefina e outros tantos tais. Que chorando nos abraçavam, agradecendo pela doença que carregávamos e que distribuíamos pelos quartos do hospital, uma doença tão maior que muitas outras, uma doença tão descarada que tomava o espaço de qualquer outra, uma doença incapaz de tirar um câncer ou algo assim, mas que sacanamente neutralizava a tristeza que qualquer outra continha.


Tornara-me como ele um palhaço escancaradamente manchado e com um nariz obeso, que acentuava a palhaçada que agora dominava meu coração. E sempre que posso eu procuro nele através de um abraço ou uma conversa sorver ainda mais essa doença lírica, rara e doce que ele carrega. Alargaram-me os ombros, carregava junto com a doença o coração, o sorriso e as lágrimas de cada tal daquele hospital.

E esse convívio com ele vem me tornando cada dia mais doente. Mais vivo, mais doutor e principalmente mais palhaço.



André Ulle ou Dr. Pinicodemos - Um aprendiz da Risologia




"Nesse Natal eu estive de frente com uma alma mais altruísta que a do Papai Noel"

Minha pequena homenagem a esse grande Palhaço José Hurtado Fernandez ou profissionalmente conhecido como Dr. Pirulito. "O risologista"

Clap Clap! Anjos da alegria! }:O)

" Nosso trabalho pra ser sério... depende do seu sorriso"

Bordão dos Anjos da Alegria

Pra quem quiser mais acessem: www.anjosdaalegria.org.br

E sejam contaminados =D






segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

“Fim de relação”

Hoje não,

Já é noite

E eu prefiro

Não fingir


Vou fechar

Meus olhos

Vou fechar

O meu zíper


E enquanto

Não secar

A saliva

A lascívia

Das outras


Não vou mais

Contrafazer

Amor

Com nosso amor.

André Ulle

"Santa ceia"


"Santa Ceia"

Que eu provei o vinho doce
Me embriaguei de álcool,
De mim
Bebi da minha saliva
Cuspi diariamente teu sangue
Que também me vazava pelos poros


Do teu chão arranquei meus joelhos
Sai da aridez da tua terra
E me lancei no mar
Desconhecido
Liberta(dor)

Chorei meu sal
Das inundações das minhas trompas
Da saída a entrada
De toda água que consumia
Filtrando
O mar

E nadei,
Nadei.
Por onde eu quis
Pros mesmos lugares
Até os braços
Cansarem e me deixarem
Comendo o sal
Das minhas lágrimas.
E
Sem mais forças
Com pulmão salubre
Regurgitei mais sal
Imergi em meu mar

Acordei na praia
Na mesma superfície arenosa
Caminhei de joelhos novamente.
E pra aliviar os meus pulmões
Do fogo do pecado.
Bebi do teu sangue
que agora me era inflamável

E vieste de braços abertos,
Quando engoli teu pão,

E te senti descendo na garganta
Por inteiro
Carne, sangue, unhas e pêlos.


André Ulle

"Silêncio de menino"





Cala-te!

E me deixa com o anseio

De descobrir os segredos

Me deixa tatear

A nascente do seu burburinho


Me deixa transpor em mim

Teus olhos

Quem sabe assim

Sorvo também esse mundo

Que habita na tua cerne.


Que já me penetra insuportável

Essa incompreensão das tuas palavras

Desatadas

És feito de gestos largos

E amabilidade afiada

Pra esse coração

Onde me denoto pouco espaço

De sentimentos laváveis,

E perfura-o, pois não é

Cômodo o suficiente

Pra tua espessura


No teu silêncio

A brisa

Confirma a imagem

Tua e da paisagem

Que também te sorve.

És transcendente ao tempo

Um risco cortante

De vida

Que sem alças no passado

Ainda existe

Nesse conforme

Constante


Eu que vivo a morte constante das coisas

Que se deriva em lembranças

Que se aglomeram em enciclopédias autobiográficas

Que sustentam o brio de um homem

Pra evasiva

De um presente aleijado

Não vivível

Não lavável


Ainda me saltam os olhos

Enfastiados pela morte arrastada na vida

Quando te vejo despreocupado

Ora calado, ora chorando

Ora sendo levado pelo vento

Ora o sendo


Estás escrevendo

Um fascículo

Que grita

Num vazio da minha estante

Todas as noites.



André Ulle

"Não me venha com mais infância"

De todas as infâncias aqui vividas, aqui postadas, aqui lembradas, eu não quero mais lembranças de uma infância. Seja sempre criança, não me venha com infância, infância é coisa de quem já envelheceu. Envelhecer é coisa de coração que vai morrer. Não me fale de infância, aqui somos eternamente esses olhos encantados.