sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Aspirante

O importante é continuar atento, minha criança. Que esse estar adulto é só de braços e pernas alongadas sobre essa parte mais alta da estante, onde todos gostam de acastelar sonhos altivos, ainda táteis (e sei que lá a estatura dos seus olhos não se preocupa em alcançar, orgulho-me de ti por isso!), mas por mais alongadamente necessárias que sejam, lembre que em nada te servem esses membros crescidos para alcançar o que se passa a existir depois que despencam suas pálpebras te trancando para dentro.

E por essas estações, exista pequeno. Não por segundo plano, que assim é cego pro escuro.


O importante é inspirar-se de sonhos, principalmente os mais bobos. Nunca conseguiu os omitir aos meus olhos, então não minta pra si mesmo, admita que esses mais bobos são os que seu coração mais almeja!


Mesmo depois que de passar ao lado da madeira do meu caixão, (sabemos que isso virá em breve, então não vamos fugir desse detalhe) ainda sonhe comigo, e lembre-se de quando perdeu seu pai, a história que te contei sobre as estrelas, e me verá brilhando todas as noites, se quiser!


E quanto ao seu filho, como queria tê-lo junto por mais tempo! Mas ele é encargo seu agora, precisará aprender a sonhar também, tenha por ele o mesmo zelo que tive por ti. Ensine a astronomia da minha morte, para ele ir se familiarizando com o céu da vida.


Por fim que se eterniza a vontade gigantesca de te dar um último beijo, eu levo comigo minha derradeira lição, com a vida revirando minha alma nesse anseio louco, essa necessidade excessiva. Não beije minha pele fria, dali a alma já terá escapado com o desejo ainda latente, esse desejo vai brilhar na noite te levando a janela, tentarei por várias vezes beijar seu rosto através da brisa.


Descobri meu netinho, que arrancamos pedaços um do outro, criamos vazios que nunca mais serão desfeitos. Esse é o maior desafio em amar, se imprimir no outro, que inevitavelmente um dia irá embora!



Por essas estações beije, sonhe e ame o máximo que puder. Abrace seu próprio corpo consumindo esse vazio que nele silencio.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Do dia que a janela se vestiu de espelho

E a visão não estava nem dentro, nem fora
Enquanto a janela sonhava ser a menina do quarto.


Foto de Ana Bintacos: http://www.flickr.com/photos/algocriativo



sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Bebidas e outros solventes


Segunda-feira vem cortando meus ossos quase me convencendo que sou forte por conseguir levantar às seis da manhã mesmo com os neurônios derretendo, me dando a sensação de estarem quase escorregando pelos meus ouvidos, multiplicando por três o barulho de tudo.


Degraus, passos, grampeadores, teclas, um bom dia que seja já me é o suficiente pro meu rosto se corromper numa careta ordinária, me fazendo ouvir olhares gritando, narrando e decifrando minhas noitadas, cada ruga vinda do meu vicio, minha alma amassada e minhas marcas.


E nessa dimensão, o que me resta é falta, essa mordida insuportável do vento, uma mordida que não crava, faz um ato contrário, repuxa pele pra fora, fazendo os poros saltarem numa aflição louca. Sinto no ar a boca me pairando frouxa sobre a pele que procura alcançar desesperadamente seus caninos. Tenho marcas doloridas de solidão, contrapondo uns espaços picados pela seringa.


Embora minha curiosidade seja tamanha, o medo me afasta de uma nova experiência arriscada, de um pingo preto nesse mundo alaranjado, que ando mergulhando em uísque (confesso-me CULPADA!), mas é que há tanto do passado borrado no presente, que quase vejo o mesmo do meu futuro, numa exotérica taça de cristal.


Prazer, essa sou eu, procurando desculpas pra beijar mais uma noite nos meus copos cheios de vômito.


(André Ulle & Ingrid Regina)
(**Mexicano e Guiiiiiiiiiiiiiiiga**)

sábado, 7 de fevereiro de 2009

E da minha Infância...

A casca do infantil limoeiro
Que ainda guardo na pálpebra
Sangra minha pupila
Num sangue adulto, quase preto.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Bodas de Ouro



Eu estava cinqüenta anos tardios, pra correr atrasado. Vivendo o nunca, que minhas rugas salientavam impressas na pele chupada pelo vazio do cerne.


Sobrava-me corpo por armazenar a metade de uma alma. No entanto pro deguste, ainda me faltava carne, me sobravam à falta de toques, na pele flácida que se desprendia no cansaço de meia alma.Só espero que essa noite seja a última, e que eu tenha forças pra nunca mais voltar.Mas por enquanto suspiro baixinho ao pé da sua cova:


- Boa noite meu amor.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Os assassinos de luz

“São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão!”.

Mateus capítulo 6 versículos 22 e 23.

Há dois dias tenho os olhos negros pairando sobre a menina negra. Dela escorre estranheza, que desliza pelo meio fio e vai poluindo o resto do cenário, absorve toda a imagem alegre pelo abismo escuro dos hematomas que espalham violência no seu corpo. A imagem dos meninos, das gostosas e tudo que saltitava em cores no ambiente, é sugado pra dentro daquele corpinho de penumbra. A rua se torna assombrada.

Ela só se levanta por atender vozes de inferno, que a chamam pra dentro da casa. Lá vai a menina negra com os passos feitos fumaça caminhando até o bar. Trazendo na mão cigarro e cerveja, hoje diferente de ontem, não aceitou as balinhas de troco, por isso não tem o breve resquício de azul que capturei por segundos antes que entrasse na casa, como da outra vez, mas também não tem o borrão roxo circulando os olhos que tinha ontem, ao voltar pra calçada.

Minhas cores vão se atrelando ao portal hostil que a menina carrega na feição, me segura num lacre desconfiado confinado a chacoalhões, tabefes e um desprezo que ela despenca com o olhar tímido permanentemente cravado ao chão.

Os três anjinhos
.


Nuns olhos perdidos em lágrimas, a vista percorria o céu e o vôo dos urubus. Mariazinha aconchegava o corpinho pequeno e flagelado, sujo de terra, sentia nos braços o relevo dos ossinhos finos, colados a pele gelada pela fome e pela seca.


Consolava:


- Fica bem Chiquim... A mamãe falô qui a gente é anjim, e anjim um dia vai pru céu.


Dizia isso enquanto prostrava-se ao chão, e soltava a criaturinha abatida. Secando as lágrimas, Chiquinho cobria seu irmãozinho com terra..

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Nuvens



Deus corria seu olhar cinza pelo espelho do mar, numas vistas cansadas sobre sua imagem e semelhança salgada.


Chorava anoitecer para nevoar as rugas.

Marcadas pela prece de um anjo que chorava vazio de alma no estômago.


"Não me venha com mais infância"

De todas as infâncias aqui vividas, aqui postadas, aqui lembradas, eu não quero mais lembranças de uma infância. Seja sempre criança, não me venha com infância, infância é coisa de quem já envelheceu. Envelhecer é coisa de coração que vai morrer. Não me fale de infância, aqui somos eternamente esses olhos encantados.