sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O empresário e o sertanejo




- Rá te lasca seu sem vergonha, sai de retro coisa-ruim!




Bradava com a espingarda empunhada na altura do rosto mirando o tinhoso, que pacientemente cavava no fundo de seus olhos, resíduos de amargura, e via na carranca, mais cansaço que rancor. Pelo Bafo, contou cada gota de pinga dentro bojo de peão. Calculava também o medo, através do resfôlego entre as palavras, e de cada gota que escorria o nervosismo.




Depois de conseguir dominar o homem e sua espingarda pelo olhar, não estando nem um pouco coagido com aquilo, começou a argumentar:




- Sabe o boi seco que rondo? Não fui eu, sabe o verme da barriga dos meninos? Não fui eu, sabe esse secúme na guela, que te coça a marvada? Eu só te dou a marvada, que é pra mata coceira. O resto, disso tudo, quem comanda é Deus. Tudo é obra de espíritos maiores.




Na casa. Anjos de prata empunhando espadas de cristal, fortes atalaias ao redor da vela de reza acesa da velha que pressentia a presença do demônio. Uns passos limpos sobre o chão barrento se aproximavam nuns sapatos lustrosos, um sorriso largo e confortável nos lábios. Ostentava diante de Deus tudo que havia conquistado ao assinar o contrato de vida (ou da morte assinada na alma), seguido dele o capiau vinha cambaleando, trazendo nas mãos a espingarda arrastada e uma garrafa de pinga que trocara pela sua alma de pobre diabo abandonado pelo Divino.

André Ulle

Um comentário:

"Não me venha com mais infância"

De todas as infâncias aqui vividas, aqui postadas, aqui lembradas, eu não quero mais lembranças de uma infância. Seja sempre criança, não me venha com infância, infância é coisa de quem já envelheceu. Envelhecer é coisa de coração que vai morrer. Não me fale de infância, aqui somos eternamente esses olhos encantados.