segunda-feira, 12 de julho de 2010

Alzheimer

- Onde estamos?

Beija como na primeira vez, os dois se degustam, ignorando o ambiente. Não, o tempo não importa mais, não como antes, que se lembrava o tempo todo do tempo que não podia perder. Agora nem o tempo mais arquivava sentimentos profundos, o romance prevalecia por ser alma pura ali despencando, roçando no tapete.

- Onde estamos?

A fraqueza da língua mutilando qualquer intenção de resposta, o cérebro não ajudava.

Beijou- a novamente, ela perguntando centenas de vezes a mesma coisa, não havia mais respostas, mas o coração ainda se contorcia no peito, lhes sobrava instinto. Ele não podia responder mais nada, os olhos despencaram, já não sabia diferenciar ela da TV desligada. Sem mais nenhuma reação, o vento frio que atravessava a janela aberta atingiu seu corpo nu, a pneumonia era só um empurrão, caiu duro na sala.
Ela se viu perdida, era tudo muito estranho e inaceitável, aproximou-se do corpo gelado do marido:

- Onde estamos?

"Não me venha com mais infância"

De todas as infâncias aqui vividas, aqui postadas, aqui lembradas, eu não quero mais lembranças de uma infância. Seja sempre criança, não me venha com infância, infância é coisa de quem já envelheceu. Envelhecer é coisa de coração que vai morrer. Não me fale de infância, aqui somos eternamente esses olhos encantados.