- Rá te lasca seu sem vergonha, sai de retro coisa-ruim!
Bradava com a espingarda empunhada na altura do rosto mirando o tinhoso, que pacientemente cavava no fundo de seus olhos, resíduos de amargura, e via na carranca, mais cansaço que rancor. Pelo Bafo, contou cada gota de pinga dentro bojo de peão. Calculava também o medo, através do resfôlego entre as palavras, e de cada gota que escorria o nervosismo.
Depois de conseguir dominar o homem e sua espingarda pelo olhar, não estando nem um pouco coagido com aquilo, começou a argumentar:
- Sabe o boi seco que rondo? Não fui eu, sabe o verme da barriga dos meninos? Não fui eu, sabe esse secúme na guela, que te coça a marvada? Eu só te dou a marvada, que é pra mata coceira. O resto, disso tudo, quem comanda é Deus. Tudo é obra de espíritos maiores.
Na casa. Anjos de prata empunhando espadas de cristal, fortes atalaias ao redor da vela de reza acesa da velha que pressentia a presença do demônio. Uns passos limpos sobre o chão barrento se aproximavam nuns sapatos lustrosos, um sorriso largo e confortável nos lábios. Ostentava diante de Deus tudo que havia conquistado ao assinar o contrato de vida (ou da morte assinada na alma), seguido dele o capiau vinha cambaleando, trazendo nas mãos a espingarda arrastada e uma garrafa de pinga que trocara pela sua alma de pobre diabo abandonado pelo Divino.
André Ulle